Bacurau: como um filme cheio de brasilidade ganhou o mundo

Handreza Hayran
8 Minutos de Leitura

Um povo que vive abandonado por seu governo precisa enfrentar sozinho a maior ameaça de sua história. Se Bacurau precisa de apenas uma linha para contar sua trama, essa seria a ideal. 

Também podemos descer um pouco mais para a trama: No sertão brasileiro, mais precisamente em Pernambuco, fica a cidade de Bacurau.

Após a morte de Carmelita, uma das cidadãs mais ilustres, os moradores passam a presenciar acontecimentos sinistros e somente uma pessoa pode ajudá-los – e não é ninguém ligado às prefeitura ou qualquer outra autoridade local. 

Filme Bacurau ganhou prêmio no Festival de Cannes

O longa dirigido por Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles foi lançado em 2019 e arrebatou uma multidão por onde passou. Grandes premiações de cinema ao redor do mundo reconheceram o trabalho, inclusive o Festival de Cannes que contemplou o longa com o Prêmio Especial do Júri.

O ex-presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, elegeu Bacurau como um dos grandes filmes do ano. 

Mas qual seria a razão por trás de tanta popularidade? O filme por si só já conta com uma equipe espetacular, mas seu sucesso pode ser definido pelas escolhas feita pelos realizadores.

Qual o gênero do filme Bacurau?

O longa transita entre diversos gêneros – faroeste, ficção científica, suspense, filme de cangaço, Cinema Novo – criando um estilo próprio que acrescenta em muito à narrativa. 

Todo o jogo de cenas é construído com planos mais abertos, pois apesar do ciclo de abuso e abandono em que a população está presa, não é a proposta criar uma sensação claustrofóbica no telespectador, mas sim mostrar o como aquelas terras do sertão são importantes dentro da estrutura narrativa do longa e o quão aquele lugar é importante para seus personagens. 

Apesar da paixão incondicional da população, o restante do Brasil não enxerga a região com os mesmos olhos.

A trama se passa em um futuro distópico, onde a cidade de Bacurau basicamente sumiu do mapa. Não existe registro de que algum dia ela esteve por ali, o que intriga até mesmo as crianças locais.

Contudo, isso não é impedimento para que forasteiros venham de fora, do Brasil do Sul (Sudeste-Sul).

As personagens interpretadas por Karine Teles e Antônio Saboia chegam de capacete, sondam o local e bloqueiam todo o sinal de celular da cidade, deixando a população ainda mais isolada do mundo. Mas eles não estavam agindo sozinhos, a bem da verdade eles eram jagunços de uma equipe norte-americana imperialista que veio ao Brasil para dizimar aqueles que são diferentes deles. 

Bacurau e a problemática social

Bacurau traz a problemática social em pequenos elementos, como na cena em que uma brasileira que sequer fala inglês trabalha para os “gringos” como doméstica. Aliás, esta é a única visão do grupo para com os brasileiros – só servem para servi-los, quando não são mais úteis, são descartados. 

Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles também assinam o roteiro, e em todo o tempo puxam cenas para mostrar o desprezo que os norte-americanos da trama tem do brasileiro.

Por mais que os dois forasteiros achem que são superiores e pertencentes ao mesmo grupo por ter a pele branca, eles entendem que não podem se sentar à mesa da pior – ou melhor – forma possível. 

O grupo de criminosos parte para Bacurau a fim de lhes tirar agora a energia elétrica, os privando completamente de todo saneamento básico. A população sem água, sem luz e sem sinal de telefone também vai precisar lidar com as crescentes mortes do povo da cidade. 

É nesse momento que a população pede ajuda a Lunga (Silvero Pereira) antigo morador que retorna para buscar justiça para os seus.

Lunga é uma especie de Rambo brasileiro – busca justiça (vingança) sem medir esforços para alcançá-la, um verdadeiro caganceiro. Silvero está fenomenal e suas escolhas de interpretação enriquecem ainda mais o filme.

Elenco do filme Bacurau

O elenco como um todo funciona perfeitamente bem. Nomes como Sônia Braga, Barbara Colen, Thomas Aquino e Udo Kier, junto aos citados anteriormente, engradecem a trama com seus talentos.

A cada sequência uma personagem diferente assume o protagonismo – com a cidade e sua relação com o ambiente como plano de fundo, o que justifica, mais uma vez, a escolha da direção em usar os corpos e o ambiente como elementos inseparáveis para contar essa história. 

Sem ajuda governamental e com o terrível vírus do fascismo entrando na sociedade, a população de Bacurau une forças para enfrentar sozinha – e da sua maneira – o mal que pode dizimar aquela sociedade. 

“Bacurau” é uma trama que traz recortes além da luta entre classes sociais.

A xenofobia é tema presente, com um Brasil separado por aqueles que se julgam moralmente e etnicamente superiores ao povo do Norte e Nordeste, tendo o roteiro de Mendonça e Juliano encontrado soluções fantásticas para ironizar o pensamento de brasileiros que não se consideram latinos. 

E mesmo com a desunião de um país todo, uma pequena sociedade que foi retirada do mapa se une para resolver a ameaça com as próprias mãos – não existe outra saída. 

Talvez seja essa a chave que deu a Bacurau todo seu sucesso. É a história de um povo que sem temer ao nazismo, ao fascismo e ao abandono, encarou a fome, a sede e foi batalhar para defender o que é seu – mesmo diante de um sistema de saúde sucateado pelo prefeito Tony Junior (Thardelly Lima). 

Essa luta fez com que o filme, por mais brasileiro que seja, se tornasse um fenômeno global, que levou Kleber ao júri de Cannes presidido por Spike Lee, em 2021. A história do povo de Bacurau inspira o embate que é preciso ser feito contra instituições que visam destruir e dizimar toda sua cultura (no filme o museu sofre saques) e sua população. 

E como diz a canção Réquiem para Matraga, de Geraldo Vandré, que encerra o longa, otimamente escolhida em conjunto com os profissionais responsáveis pela trilha sonora, Mateus Alves e Tomaz Alves Sousa:

“Tanta vida pra viver/ Tanta vida a se acabar/ Com tanto pra se fazer/ Com tanto pra se salvar/ Você que não me entendeu/ Não perde por esperar.

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Nascida e criada em Petrolina-PE, Handreza Hayran é co-fundadora e editora do Foco e Fama. Formada em Computação pela UFRPE, ela também é fã de tecnologia, filmes e séries. Além disso, acredita que histórias bem contadas, são presentes incrivelmente valiosos.